quarta-feira, 12 de junho de 2013

Um Questionamento sobre Responsabilidade de Saber


A abordagem do assunto dependência química evoluiu através dos tempos, assumindo uma mudança significativa a partir dos séculos XVIII e XIX, quando o uso do álcool surgiu na literatura como condição clínica. Temos a partir de então, um crescente de estudos acerca da sintomatologia e tratamento do alcoolismo. Seguindo o paradigma mecanicista emergente no contexto histórico da revolução industrial e advento do capitalismo, surge o modelo biomédico. A partir de então, a condição da pessoa com problemas devido ao uso do álcool, passa a ser uma responsabilidade do médico, que intervém no corpo, não mais depósito inviolável da alma, mas um corpo composto por peças falíveis dignas de “conserto”.
A população não era considerada como um todo nesse momento histórico em que a ciência se encontrava num momento de observar mais atentamente o indivíduo em seu corpo, que ditava a saúde e a doença segundo seu funcionamento. E certamente por consequência desse interesse reducionista, apenas o sistema de funcionamento do corpo individual era importante. O que desviava o olhar dos outros sistemas mais abrangentes da vida do ser humano: social, familiar, produtivo... Enfim, o sujeito ainda não é estudado em seu contexto, pleno de subjetividade, mas como um objeto desconectado de seu meio. Predomina então a visão de que o sujeito “doente” deve ser excluído do convívio social e isolado em instituições apropriadas.
A partir do século XIX, os problemas decorrentes do uso de drogas, principalmente do álcool, passa a ser observado mais atentamente, devido à intensa urbanização. Até esse momento histórico a ciência gera conhecimentos importantes a serem considerados no século seguinte. Uma abordagem mais voltada para o fenômeno social, contacta os estudiosos à importância de se compreender os problemas do sujeito inserido em um contexto. Observou-se que o uso das drogas estava “agindo” como elemento de doença social (BUCHER, 1992).
A discussão da dependência química é evento recente, principalmente a partir da metade do século XX, quando o problema do uso de drogas passa a ser discutido e delineado pela OMS (2001) como um problema multifatorial. Desde então, o modelo moral e o modelo médico não são mais ideais para tratar o assunto. Segue então o desenvolvimento de teorias integradas à medicina, abordando o sujeito em seu contexto, considerando o afetamento de suas relações subjetivas. Surge o modelo bio-psico-social.
Entretanto, ainda hoje persiste um preconceito sobre a importância de integração das disciplinas não médicas no tratamento do assunto dependência química. Por exemplo, a responsabilidade técnica na elaboração de um projeto ou programa de tratamento, ainda é vista como um lugar do médico. Por quê essa responsabilidade deve ser exclusivamente do médico? Um psicólogo ou assistente social teria capacidade de elaborar um bom projeto ou programa de tratamento para dependentes químicos? Avançamos positivamente sobre o conceito da dependência química e sobre a importância da abordagem multidisciplinar do processo saúde/doença. Entretanto, precisamos avançar ainda sobre a capacidade de compartilhar o lugar do saber.
Lucineias Luchi - CRP 16/327
Em Especialização em Dependência Química – UNIFESP (2013)

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