A abordagem do assunto dependência química
evoluiu através dos tempos, assumindo uma mudança significativa a partir dos
séculos XVIII e XIX, quando o uso do álcool surgiu na literatura como condição
clínica. Temos a partir de então, um crescente de estudos acerca da
sintomatologia e tratamento do alcoolismo. Seguindo o paradigma mecanicista
emergente no contexto histórico da revolução industrial e advento do capitalismo,
surge o modelo biomédico. A partir de então, a condição da pessoa com problemas
devido ao uso do álcool, passa a ser uma responsabilidade do médico, que
intervém no corpo, não mais depósito inviolável da alma, mas um corpo composto
por peças falíveis dignas de “conserto”.
A população não era considerada como um todo
nesse momento histórico em que a ciência se encontrava num momento de observar
mais atentamente o indivíduo em seu corpo, que ditava a saúde e a doença
segundo seu funcionamento. E certamente por consequência desse interesse
reducionista, apenas o sistema de funcionamento do corpo individual era
importante. O que desviava o olhar dos outros sistemas mais abrangentes da vida
do ser humano: social, familiar, produtivo... Enfim, o sujeito ainda não é
estudado em seu contexto, pleno de subjetividade, mas como um objeto
desconectado de seu meio. Predomina então a visão de que o sujeito “doente”
deve ser excluído do convívio social e isolado em instituições apropriadas.
A partir do século XIX, os problemas decorrentes
do uso de drogas, principalmente do álcool, passa a ser observado mais
atentamente, devido à intensa urbanização. Até esse momento histórico a ciência
gera conhecimentos importantes a serem considerados no século seguinte. Uma abordagem
mais voltada para o fenômeno social, contacta os estudiosos à importância de se
compreender os problemas do sujeito inserido em um contexto. Observou-se que o
uso das drogas estava “agindo” como elemento de doença social (BUCHER, 1992).
A discussão da dependência química é evento
recente, principalmente a partir da metade do século XX, quando o problema do
uso de drogas passa a ser discutido e delineado pela OMS (2001) como um
problema multifatorial. Desde então, o modelo moral e o modelo médico não são
mais ideais para tratar o assunto. Segue então o desenvolvimento de teorias
integradas à medicina, abordando o sujeito em seu contexto, considerando o
afetamento de suas relações subjetivas. Surge o modelo bio-psico-social.
Entretanto, ainda hoje persiste um preconceito
sobre a importância de integração das disciplinas não médicas no tratamento do
assunto dependência química. Por exemplo, a responsabilidade técnica na
elaboração de um projeto ou programa de tratamento, ainda é vista como um lugar
do médico. Por quê essa responsabilidade deve ser exclusivamente do médico? Um
psicólogo ou assistente social teria capacidade de elaborar um bom projeto ou
programa de tratamento para dependentes químicos? Avançamos positivamente sobre
o conceito da dependência química e sobre a importância da abordagem
multidisciplinar do processo saúde/doença. Entretanto, precisamos avançar ainda
sobre a capacidade de compartilhar o lugar do saber.
Lucineias Luchi - CRP 16/327
Em Especialização em Dependência Química – UNIFESP (2013)